O Feitiço de “Fatale”: Brubaker, Phillips e o Abismo Sem Volta
Imagine um mundo onde o crime encontra o sobrenatural numa encruzilhada, e Ed Brubaker e Sean Phillips estão lá, sorrindo de canto, oferecendo uma carona para o inferno. “Fatale” não é só mais uma história em quadrinhos — é uma armadilha disfarçada de arte. Agora no Brasil, lançada em dois encadernados luxuosos pela Editora Mino, essa obra arranca seus gritos silenciosos enquanto você desce para um abismo onde a dor é eterna, e o mal, imortal.
foto montagem - Sean Phillips (imagem:Delcourt) e Ed Brubaker (imagem: Gerry Duggan) |
Josephine, ou simplesmente Jo, é o epicentro dessa desgraça toda. Não estamos falando de uma mulher comum — nem de longe. Ela carrega uma maldição antiga e, sem querer, se torna o imã para homens que não têm a menor ideia do que os espera. Eles caem em sua rede como mariposas para a chama, destruídos pelo próprio desejo. E Jo? Ela não quer isso. Ela não é vilã, mas tampouco é heroína. Sua maldição é uma prisão, e ela arrasta essa sina por décadas, sempre fugindo de algo que nunca pode escapar.
Diferente das femme fatales clássicas que conhecemos — aquelas mulheres perigosas que dominam o cinema noir — Josephine é outra coisa, algo maior, mais sinistro. O que parecia só mais uma trama de sedução logo se transforma em terror cósmico. Brubaker e Phillips pegam as velhas fórmulas e explodem tudo. Josephine não manipula por escolha; ela é um veneno sem antídoto. Os homens que cruzam seu caminho são engolidos pelo caos, e ela, impotente, apenas observa a ruína.
A história percorre décadas, viajando entre os anos 30 e os 90, mostrando como Josephine destrói tudo que toca. Mas será que ela é culpada? Ou é só mais uma peça no jogo de forças maiores que a própria compreensão humana? É aqui que a coisa fica interessante. Brubaker te joga para dentro dessa espiral de destruição sem qualquer cerimônia, e você vai com um sorriso nervoso no rosto.
Não tem clichê aqui. O noir que você conhece não sobrevive ao que “Fatale” faz. Esqueça detetives duros e mulheres traiçoeiras. Josephine não quer ser o que é, mas está presa num ciclo de horror que suga a vida dos outros. Ela é uma sobrevivente, tentando fugir de um destino cruel, mas tudo que consegue é trazer mais morte e dor por onde passa. Homens caem aos seus pés, não porque querem, mas porque não conseguem evitar. Um escritor bêbado aqui, um policial sujo ali — todos acabam arruinados. É como assistir a um acidente em câmera lenta.
O horror de “Fatale” não vem só das criaturas e cultos estranhos, mas da inevitabilidade da queda. É o terror existencial, o tipo de pavor que te faz questionar se existe alguma saída ou se o destino de todos é cair no abismo. Sean Phillips transforma isso em imagens, sua arte sufocante, onde cada sombra parece engolir a página. Você sente o peso da tragédia, mesmo sem querer. E o pior? Você não consegue parar de ler.
A dupla Brubaker e Phillips já tinha acertado em cheio com “Criminal” e “The Fade Out”, mas aqui eles foram além. “Fatale” não é apenas mais uma história de crime — é um mergulho na insanidade. A Mino trouxe uma edição que captura toda essa atmosfera desesperadora em detalhes luxuosos. Se você achou que sabia o que esperar, está enganado.
Josephine é o ápice da femme fatale. Ela não manipula por prazer, nem por poder. Sua tragédia é que ela não quer o que causa, mas não consegue evitar. “Fatale” é sobre isso: desejo e morte entrelaçados, um ciclo que nunca acaba. Não tem redenção aqui. Não tem solução. Apenas uma lenta descida rumo ao inferno.
Fatale vol 2 - reprodução |
Ler “Fatale” é como olhar para um acidente e não conseguir desviar o olhar. Brubaker e Phillips te seguram firme pela mão e te empurram direto para o abismo, rindo no processo. Se você ainda não leu, faça um favor a si mesmo e comece. Mas aviso: o que você encontrar lá embaixo vai te deixar pensando muito depois de fechar o livro.
PS: Ah, e se ler à noite, com um copo de bourbon ao lado, melhor manter as luzes acesas. Porque mulheres misteriosas que surgem do nada? Elas podem ser seu fim.